sábado, 6 de junho de 2015

LOLA

Era o segundo semestre de 2007. Dani encerrava sua temporada de dois anos morando na Califórnia. Empolgada, eu não aguentava mais esperar dezembro para ter minha filha de volta. Era o tempo de comunicação via MSN. Certa tarde, eu traduzia quando ouvi o bip de mensagem. Era a Dani. Tinha um pedido:
- Mãe, quando eu voltar, você deixa eu comprar um cachorrinho igual ao que a gente tem aqui?
Que mãe diria não? Eu, com certeza, estou fora do grupo. Minha tendência é sempre dizer sim, ainda mais quando a filha está voltando para casa depois de tanto tempo. Ela me pegou de jeito. Falou:
- Vou pegar uma foto e te mandar.
Escreveu na barra de pesquisa do Google: "cachorro mais feio do mundo", e me mandou a foto:

Pensa no meu pavor. Não sabia o que responder. Ela ri de mim até hoje, dizendo que via na barra do MSN: "Cláudia está digitando", depois sumia. Era eu apagando o que tinha escrito. Isso aconteceu várias vezes, até que resolvi mandar:
- Não acho muito bonitinho, não.
Ela riu muito, claro, depois me mandou a foto de verdade. Começou assim minha história com a Lola.
Ela chegou a nossa casa em janeiro, ou fevereiro. Pensei que ia chorar nas primeiras noites. Contrariando minhas expectativas, foi a dona do pedaço desde o momento em que desembarcou do avião. Sim, veio de avião de Porto Alegre para Brasília. Clarice falou:
- Daqui a uns dias você vai estar trabalhando com ela no colo.
Respondi:
- Nunca!
Eu já devia saber que nunca posso falar nunca. Tudo que digo que nunca vou fazer, acabo fazendo. Assim foi. Já no dia seguinte choveu, ela correu para perto de mim, tremendo de medo por causa dos trovões. E eu trabalhei com ela no colo.
Todos saíam cedo para colégio ou trabalho e... ficávamos nós duas. Ela foi absorvendo minha personalidade. Éramos parecidas. Nos defeitos e nas qualidades, embora a família enfatize mais os defeitos, claro.
Ela buscava refúgio em mim na hora da aflição. E corria para mim quando percebia que eu estava triste ou deprimida. Nunca gostou muito de chamego, de ficar no colo. Se eu chorasse, ela se deitava bem encostadinha em mim. Quando a coisa era mais séria, deitava a cabecinha na minha perna.
E, assim, vivemos durante os sete anos que ela passou aqui neste mundo. Há 15 dias, adoeceu, foi internada e... fiquei sem minha companheirinha, sem aquela que doava sem pedir nada em troca, como só os cães sabem fazer.
Antes dela, eu não conhecia esse relacionamento profundo que seres humanos podem ter com animais. Já ouvira falar, claro, mas não conhecia por experiência. Hoje, a casa está mais vazia e triste. Em um tempo de muitas perdas, mais uma, muito dolorida. Minha animalzinha se foi. E não vou me esquecer dela. Vai me fazer falta sempre. Ainda temos o Charlie, mas a Lola era ciumenta, nunca permitiu que ele tivesse grandes chamegos comigo. Quem sabe agora, sem ela, poderemos estreitar nossos laços afetivos.
Lola, metida, independente, teimosa, leal, amiga, medrosa, atenciosa, "mala", esperta, decidida, minha amiguinha, está me fazendo uma falta imensa.





quinta-feira, 21 de maio de 2015

COLORIDEIRA

Coleciono recordações. Minha memória é repleta de fatos bem antigos. Deixando de lado todo o questionamento sobre a validade das lembranças, gosto da minha coleção. Não sou presa ao passado. Amo, porém, voltar a momentos gostosos de minha infância e adolescência. Não se preocupem. Retorno logo para o presente. Vivo aqui e agora. Isso posto, passemos a uma de minhas lembranças mais gostosas.
Início dos anos 60. Brasília, recém-inaugurada, enfrentava um problema: faltava luz todas as noites. Nossa casa tinha um bom estoque de velas, que ficavam sempre à mão. Neste dia específico a que vou me reportar, tia Celina estava em nossa casa. Então, devia ser época de férias. Tínhamos passado o dia na AABB e ela estava mais vermelha do que camarão, toda coberta por Hipoglós, o único paliativo conhecido à época para queimadura de sol na era pré-protetorsolar.
Estávamos sentadas, eu e ela, no chão, colorindo um livro dos Flintstones na mesinha de centro da sala. Eu coloria um Fred bem grandão, ela, não sei o quê. A luz acabou. Acesas as velas, continuamos em nossa atividade, muito concentradas. Papai chegou, ela foi jogar buraco com ele e prossegui em minha obra. O desenho era grande, e colorir a roupona alaranjada do Fred era um trabalho cansativo. Lembro-me do papai implicando com o cheiro do Hipoglós e dos dois em uma disputa acirrada no jogo. Ambos bem competitivos. Não sei quem ganhou, não importa. O que jamais saiu da minha mente foi a delícia perfeita daquele tempo em que eu coloria, eles jogavam e a conversa dos dois era como música de fundo para mim.
Avancemos no tempo. Já adolescente, as caixas de lápis de cor eram mais elaboradas, com muitas opções além das meras 12 daquela primeira. Eu gostava de fazer desenhos abstratos e depois colorir. Como gostava de colorir, de ver a página branca monótona se encher de "alegria"!
Nunca deixei de gostar. Só parei de colorir. Coisa de criança, gente grande não entra nessa.
Há alguns anos, minha primAdriana me falou que coloria, que tinha livros para adultos. Fiquei curiosa, mas não pesquisei. Ela disse que ia me mostrar, e esquecemos o assunto.
Imagina, então, minha alegria ao ver a febre de colorir que tomou conta das mulheres de minha idade! Decidi que daria um jeito de comprar um livro e uma caixa de lápis. Sem dinheiro para gastar com supérfluos, fui planejando. Chegou meu aniversário. Minha mãe e minha sogra me deram dinheiro de presente. Fiquei empolgada e decidi que aquele dinheiro seria usado para supérfluos. Nos últimos tempos, todo centavo que me chega às mãos acaba sendo usado para algo "sério". Meu presente de aniversário, não!
A primeira coisa que comprei foi o livro do Guga Kuerten. Depois, cortei o cabelo. E resolvi: com o restante compraria o livro e lápis de cor.
Moro em frente à Feira do Guará. Ia pegar o metrô e o caminho mais curto passa pela Feira. Então, como estava lá mesmo, procurei os lápis. Encontrei uma caixinha com 12, de uma marca desconhecida. Na mesma banca, outra mulher olhava para a caixinha, desanimada. O diálogo entre nós duas:
- Eu queria com mais cores.
- É, eu queria pelo menos 24.
- Não conheço essa marca.
- Nem eu. Será que é boa?
- Acho que vou levar, por segurança, caso não encontre uma com mais cores.
- É, eu também.
Tanto eu quanto ela estávamos meio sem-jeito, meio constrangidas. Eu sabia e ela também, mas foi ela a corajosa:
- Você vai comprar o livro, não é? Eu também.
Caímos na gargalhada.
Saí da Feira com minha caixinha de 12 cores. Acabei descobrindo que a marca desconhecida era boa. Fui para a casa da mamãe, almoçamos (era sábado). Depois do almoço, pedi para a Dani ir comigo ao shopping, queria comprar o livro e uma caixa com 36 lápis. Afinal, ela me deu as duas coisas de presente!
Pensa na alegria da pessoa! No dia seguinte, acabei comprando, com o resto do meu presente de aniversário, mais um livro. Fiz uma busca em casa e achei canetinhas, uns lápis Crayola que a Flávia deixou aqui e uns lápis de cera.
Lancei-me a colorir. Que delícia! Pena que não tenho papai e tia Celina jogando buraco ao meu lado. Hoje, ligo a televisão em algum programa que me interesse (Estou revendo a série Desperate Housewives) e fico horas a encher as páginas de cores.
Vejo no Facebook pessoas levando tão a sério os livros! Há verdadeiros artistas colorindo esses livros, com materiais caros, lápis importados, e tudo mais. Para mim, são momentos de não pensar em nada, de ouvir o que está passando na televisão, de tentar resgatar a delícia perfeita da minha infância, que não existe mais.
Ainda assim, enquanto vou dando cor aos desenhos, sinto a alegria de me dedicar hoje a uma atividade que me dá tanto prazer. E até que não estou me saindo mal, não. Olha aí o que já colori:
Foi o primeiro. 

Tudo bem simétrico

Resolvi sair de minha zona de conforto e não fiz nada simétrico. Só olhei para não ficarem cores iguais muito juntas. E a flor do meio foi em homenagem ao Galo Forte Vingador (Foi mesmo, de verdade, de caso pensado. KKKKKKK)

Duas folhas iguais. Resolvi que seriam bem diferentes. 


Começando ali no cantinho. A cor predominante vai ser vermelho, acho eu. Será que vai? Tudo é possível, depende da inspiração do momento, da minha vontade.